Olá meus caros!

Aqui é Rafael Bravo, professor e orientador do Curso Clique Juris, onde trabalho com estudos dirigidos para concursos das carreiras jurídicas (Magistratura, Defensoria, MP, dentre outros).

A dica de hoje é sobre o acordo de não persecução penal, nos termos da Lei Anticrime, e sua eficácia intertemporal. O tema está longe de ser pacificado, mas com certeza vai cair em prova, sobretudo em discursivas, em que geralmente o examinador exige do candidato o domínio das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais. Como se não bastasse, o tema tem grande relevância prática para a atuação do MP, Defensoria e Magistratura.

Vamos lá!

O acordo de não persecução penal, positivado no art. 28-A do Código de Processo Penal pela Lei n. 13.964/19, se trata de negócio jurídico de natureza extrajudicial celebrado entre o Ministério Público e o suposto autor do fato delituoso, devidamente assistido por seu defensor, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade em troca do compromisso do parquet de não perseguir judicialmente o caso penal extraído da investigação penal, declarando-se a extinção da punibilidade caso a avença seja integralmente cumprida.

Quanto à eficácia temporal do instituto, há quem entenda que a novidade legislativa não se aplica aos processos já em curso, considerando que se trata de instituto aplicável à etapa pré-processual. Nesse sentido, por se chamar “acordo de não persecução penal”, se já houver persecução penal em curso, não haveria que se falar em acordo para não persecução, pois essa já existe. É esse o entendimento do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do MP, vejam:

ENUNCIADO 20 (ART. 28-A): Cabe acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia.

Para uma corrente intermediária, o ANPP seria cabível durante o curso da ação penal apenas na hipótese de o MP oferecer diretamente a denúncia sem ter proposto o acordo de não persecução previamente, e após o recebimento da exordial, o réu se insurgir contra a ausência de possibilidade de formalizar o acordo.

Por outro lado, conforme entende outra parte da doutrina, admite-se a celebração do acordo de não persecução não apenas na fase extrajudicial, mas também na fase judicial, nos processos já iniciados antes da vigência da Lei n. 13.964/19. 

Nesse sentido, por se tratar de matéria de Direito Penal que beneficia o réu, deve-se trabalhar com a ideia de retroatividade (lex mellius). Assim, sendo norma que prestigia o direito material do réu, aplica-se imediatamente aos processos em andamento, inclusive em apreço ao direito constitucional ao devido processo legal.

Como sabemos, leis estritamente processuais devem ser aplicadas imediatamente aos processos em curso. Contudo as leis processuais que interferem diretamente no direito de punir (leis processuais materiais ou mistas) são aplicadas retroativamente caso sejam benéficas ao acusado. Dessa forma, como o acordo de não persecução penal tem nítida implicação no direito de punir (pois é capaz de afastar a privação da liberdade em troca da aplicação de condições que uma vez cumpridas levam à extinção da punibilidade), é possível vislumbrar a aplicação retroativa da norma. Nesses casos, a competência para homologação será do juiz de instrução e julgamento.

Na mesma linha, a finalidade do acordo de não persecução é a economia e celeridade processuais, de maneira que não há elementos razoáveis para negar a sua aplicação durante a fase processual, se for para gerar economia e efetividade ao processo.

Ademais, como argumento de reforço, se deve considerar que foi essa a lógica aplicada pelos Tribunais Superiores para aplicação imediata dos institutos da suspensão condicional do processo e transação penal. Assim, aplicando-se as regras de hermenêutica jurídica segundo as quais: Ubi eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito) e Ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir), o acordo de não persecução penal deve ser aplicado às ações penais em curso.

Importa ressaltar, inclusive, que é esse o entendimento da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, bem como da Defensoria Pública de Minas Gerais. Vejam:

Enunciado nº 98 da 2ª CCR do MPF: É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os  requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A da Lei n° 13.964/19.

Enunciado nº 17 da DPE/MG: O artigo 28-A do CPP é aplicável aos feitos em curso e em qualquer fase processual, visto que se trata de norma que também possui caráter penal e consiste em direito subjetivo do indivíduo.

Contudo, é preciso fixar um limite para a celebração do ANPP, de forma que para provas de Defensoria podemos defender que o instituto se aplica aos casos em que o trânsito em julgado ainda não se operou. Para provas de outras carreiras, se for o caso de defender essa corrente, podemos sustentar que o ANPP deve ser celebrado até a audiência de conciliação ou antes da sentença, como nas hipóteses em que a denúncia foi ofertada ou que instrução foi iniciada, mas não foi concluída, pois após a sentença o Judiciário já conferiu a prestação jurisdicional quanto ao mérito.

Quanto ao tema, o STJ recentemente proferiu sua primeira decisão (Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 1.668.298/SP, STJ, 5ª Turma) no sentido o ANPP é cabível somente na fase de investigação criminal ou até o recebimento da denúncia.

Contudo, é preciso realizar o devido distinguishing, considerando que o caso em tela se tratava de tentativa de ANPP após condenação confirmada em segunda instância, hipótese em que, de fato, já houve provimento jurisdicional de mérito sobre a autoria e materialidade da conduta. Assim, é preciso aguardar para ver como os Tribunais Superiores vão decidir sobre a questão. O STJ apenas afastou essa possibilidade da ANPP após sentença condenatória confirmada no Tribunal (Apelação defensiva improvida), mas não adentrou no tema com profundida sobre a possibilidade de ANPP após a denúncia e até o fim da instrução criminal, por exemplo.

Pessoal, portanto, vimos que o tema ainda é bastante controverso e que há várias posições sobre a questão. Assim, é de suma importância ficar ligado (a) nos precedentes sobre o tema, que em breve virão! É importante também conhecer e saber explicar as diversas posições, defendendo aquela que se alinha melhor à carreira que você estiver prestando prova, bem como às predileções do examinador – o que vai variar de concurso para concurso.

Pessoal, essa foi mais uma dica quentinha e atualíssima para deixar vocês ainda mais atualizados e prontos para responder as questões mais exigentes dos concursos de carreiras jurídicas. É exatamente essa nossa finalidade no Clique Juris!

Desejo a todos sucesso e bom estudos!

Rafael Bravo

Instagram com dicas: @rafaelbravog e @cursocliquejuris

e-mail: rafaelbravo.coaching@gmail.com

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Defensor Público Federal, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado pela PUC-Rio, membro suplente da Banca de Direito Penal, Processo Penal e Penal Militar do 5º Concurso Público para ingresso na carreira de Defensor Público Federal - DPU/2015. Foi aprovado aos 24 anos, com apenas um ano de estudos no concurso da DPU em 2010.

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